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VIDA EMPATIA, REPUTAÇÕES E NORMAS SOCIAIS
o jogador 1, denominado de “ditador”, dita que parte da sua éticas humanas ao longo da história. A frase parece con-
quantia inicial, chamando-lhe X, cede ao segundo partici- ter pelo menos três ideias importantes: (i) ações das quais
pante, podendo X ser igual a zero. Ambos os participantes um indivíduo não quer ser alvo constituem a base de um
de cada jogo sairiam da experiência com a quantia resul- comportamento imoral; (ii) as ações tendem sugerir uma
tante da ronda jogada. reação por terceiros; e (iii) um apelo à empatia. Tais máxi-
mas sugerem uma norma social que permite a evolução
As experiências clássicas com o jogo do ditador têm re- do comportamento cooperativo e altruísta, ademais sendo
sultados conhecidos: enquanto é esperado do ponto vista simples de memorizar e compreender. Mas esta simplici-
económico que cada indivíduo atue no seu melhor inte- dade não é óbvia. Hoje em dia, as ações para com outros,
resse, levando a que X seja sempre igual a 0, quando as ex- cooperativas ou não, são normalmente ditadas por um con-
periências são realizadas com seres humanos na vida real, junto incontável de fatores: desde o grau de parentesco, à
observa-se sempre que X>0. Contudo, o objetivo do estudo reciprocidade, passando pelos grupos sociais em que nos
realizado em 2004 por Kevin Haley e Daniel Fessler era inserimos, as instituições e ficções colectivas com que nos
mais complexo: e se os participantes se sentirem minima- identificamos – a nossa cultura e educação, nacionalidade,
mente observados? Para tal, cada computador em que os a distância geográfica, inclinação política ou equipa de fute-
participantes jogariam poderia ter ou não ter como fundo bol. Mas será que, subjacente a estas, há um conjunto de
do ambiente de trabalho a ilustração de um par de olhos regras simples e eficazes, capazes de definir o que é uma
(Fig. 1), não obstante o seu total anonimato.
Figura 1: Fundos do ambiente de trabalho na experiência de Haley e Fessler em 2004. À esquerda, um fundo com a ilustração que
evoca o olhar; à direita, o fundo de controlo do laboratório de investigação.
Os resultados foram simples e conclusivos: ao usar com- ação boa e uma ação má? A quem melhor perguntar isto
putadores de laboratório com a ilustração – chamada de que a quem nunca recebeu qualquer nível significativo de
“eyespots” – no fundo do ambiente de trabalho, o número educação ou que ainda não tem conhecimento das divisões
de participantes que deram alguma quantia não nula (X>0) ideológicas, culturais ou colectivas que regem o dia-a-dia
foi quase o dobro dos doadores no grupo de controlo. Os do ser humano adulto? Alguém cuja percepção do mundo
investigadores concluíram, então, no artigo publicado em seja virtualmente a mesma de um ser humano na mesma
2005, que sinais subtis de observação afetam a generosi- situação há 15 mil anos?
dade individual em jogos económicos anónimos. Ou seja,
que o ser humano tende a agir moralmente quando se Em meados de 2011, a Doutora J. Kiley Hamlin, da Uni-
sente minimamente observado [3]. Esta conclusão tende versidade de Vancouver, liderou um estudo em conjunto
a confirmar que, individualmente, o ser humano procurará com o Departamento de Psicologia da Universidade de
agir racionalmente. Mas ao se incluir numa esfera social, Yale, focado em compreender os processos avaliativos
em que as ações serão potencialmente julgadas por obser- morais em crianças pré-verbais, com menos de 18 meses
vadores terceiros, o indivíduo tenderá a agir mais altruis- de idade. A experiência procurava entender como é que
ticamente [4]. as crianças avaliam ações pró-sociais ou anti-sociais. Os
infantes veriam uma interação entre fantoches, na qual o
Reputações e Normas Sociais primeiro tentaria abrir uma caixa contendo um brinquedo,
e o segundo ou agiria pró-socialmente – ajudando a abrir
“Não faças aos outros o que não queres que façam a a caixa – ou anti-socialmente – impedindo a caixa de ser
ti”, diz o famoso ditado budista, constituindo um “proto- aberta. Até este ponto, os resultados seriam aferidos de
código moral” encontrado em quase todas as tradições e forma bastante simples: dando a escolher entre fantoches
que agiram cooperativamente ou anti-socialmente, tanto
as crianças de 5 ou 8 meses preferem os fantoches que
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