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EMPATIA, REPUTAÇÕES E NORMAS SOCIAIS VIDA
agem pró-socialmente. Chamamos a isto uma norma so- crucial para a sobrevivência de uma comunidade; por outro
cial de primeira ordem – a simples decisão de ajudar ou lado, aqueles que se recusassem a partilhar os frutos da
não ajudar ditaria a preferência das crianças. No entanto, sua caça ou coleta seriam reciprocados com ostracização
foi também estudada a capacidade de fazer julgamentos futura dos ganhos de outros, numa era em que “o melhor
mais complexos e dependentes de contexto: o segundo local para guardar sustento excedente é no estômago do
fantoche, ao deixar cair uma bola, poderia ser ajudado ou vizinho”. De facto, conseguimos encontrar a noção de nor-
punido por um terceiro, um Doador ou Retirador, respeti- mas sociais de segunda ordem, especialmente das que
vamente. Os participantes seriam dados a escolher entre prescrevem punição de indivíduos anti-sociais, na tradição
o Doador ou Retirador, em cada um dos diferentes contex- oral de várias culturas: “ladrão que rouba ladrão tem cem
tos: tanto o Doador como o Retirador poderiam ter recu- anos de perdão”. Esta norma é conhecida como a norma
sado dar a bola a um fantoche pró- ou anti-social. Quando de Stern Judging, que pode ser descrita por: “ajuda boas
o alvo do terceiro fantoche era o fantoche pró-social, to- pessoas e recusa ajudar más pessoas, e ajudar-te-emos.
das as crianças mostraram preferência por Doadores. Caso contrário serás punido”.
No entanto, em relação ao alvo anti-social verificaram-se
resultados diferentes quando divididos por idade: por um Adicionalmente, podemos estudar a complexidade das
lado, crianças de 5 meses continuariam a preferir o fan- normas sociais nos reinos de ordens maiores. De facto,
toche Doador, independentemente do contexto, sugerindo as decisões que fazemos tendem a ser mais complexas
raciocínios morais de primeira ordem; por outro lado, cri- que as de crianças pré-verbais. Se decidimos que alguém
anças de 8 meses mostraram preferência pelo fantoche é bom porque “ajudou quem ajuda” ou mau porque “ajudou
Retirador. quem não ajuda”, por exemplo, é natural que possamos
alargar este raciocínio para “alguém é bom porque ajudou
Sumariamente, aos 8 meses de idade, os sujeitos pre- alguém que não ajuda quem ajudou quem ajuda, etc…”, ou
ferem indivíduos que agem positivamente perante ter- todas as outras combinações infinitas destas parcelas.
ceiros pró-sociais e indivíduos que agem negativamente Tais experiências aqui afastam-se do limite do realizável
perante terceiros anti-sociais. Ou seja, o valor moral de um em tempo útil se tentássemos reproduzir os métodos da
acto social não é determinado apenas pelo efeito positivo Dra. Hamlin. Felizmente, hoje em dia temos computadores
ou negativo num recipiente, mas também pelo seu status poderosos e rápidos. Recorrendo à Teoria de Jogos Evo-
social como um indivíduo positivo ou negativo. Por outras lutiva, podemos modelar matematicamente as dinâmicas
palavras, uma reputação [6]. As crianças de 8 meses de de ações coope-rativas ou competitivas em populações
idade operam as suas avaliações morais por uma norma de agentes racionais. E foi exatamente isso que investi-
social de segunda ordem, onde as ações são avaliadas gadores da Universidade de Lisboa e da Universidade do
perante o par ação-reputação, em contraste com a de Minho fizeram em 2018, com o propósito de estudar a
primeira ordem, na qual só é considerada a ação. complexidade das normas sociais [7]. Definindo a com-
plexidade de uma norma como a dificuldade de a aprender
Complexidade das Normas Sociais ou memorizar, o estudo revelou não serem necessárias
normas altamente complexas para se suster níveis mais
Até agora, vimos exemplos de duas ordens de com- elevados de cooperação que os gerados pela norma Stern
plexidade diferentes que podem reger avaliações morais. Judging, uma simples e memorável norma de segunda or-
Sabemos que o mecanismo cognitivo de avaliar ações dem. Além do mais, tendo em conta que a capacidade de
sob contextos dotados de nuances sociais não-triviais é uma norma para governar uma comunidade cooperativa
desenvolvido cedo na cognição humana. Vários autores poderá ser limitada pela aptidão individual de seguir regras
sugerem que este facto é central à sustentação da coope- complexas e subjetivas, os autores mostram como se tor-
ração intra-espécie e que esta capacidade cognitiva tenha na óbvio que a norma Stern Judging é um dos meios mais
evoluído como meio de sobrevivência e reprodução do ser eficazes e diretos de promover a coesão social na frágil
humano: por um lado, a necessidade de fazer decisões in- ecologia de um grupo.
tuitivas e rápidas sobre quem ajudar (ou não) poderia ser
O Problema da Reciprocidade Indireta
A ideia de Reciprocidade como mecanismo de suporte
à cooperação foi sugerida por um famoso biólogo norte-
americano, Richard Alexander, em 1987, no livro The Biolo-
gy of Moral Systems. É uma teoria especialmente elegante:
a cooperação recompensa porque atribui ao cooperador
uma imagem de membro valioso da comunidade. Formal-
mente, o custo de um ato altruísta é diminuído pelos gan-
hos futuros que provém da reputação resultante de tal ato.
Adicionalmente, o autor sugere que o mecanismo terá sido
crucial para permitir a evolução de comunidades de seres
humanos geneticamente não-relacionados a largas esca-
las [8]. Outros autores, antropólogos, biólogos e matemáti-
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