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A FÍSICA DOS SISTEMAS BIOLÓGICOS VIDA

reação. Nas células, as poucas sequências de aminoácidos      ganizam-se em feixes e ligam-se uns aos outros através
que funcionam estão cuidadosamente armazenadas no có-         de miosinas, proteínas motoras que são capazes de exer-
digo genético. A célula acede a esta informação sempre        cer uma tensão tênsil ou compressiva na rede de actina.
que necessita de produzir uma proteína que vá catalisar       Os feixes de actina terminam num complexo proteico que
uma reação específica. Logo depois que o polímero é sin-      atravessa a membrana celular e se liga à matriz extrace-
tetizado, este começa dobrar-se no citoplasma celular até     lular (Fig. 1D). Assim, quando a rede de actina se contrai,
atingir a conformação específica que lhe permite funcionar    a célula consegue exercer uma força de tração no meio
como catalisador (Fig. 1C). Cada sequência de aminoácidos     envolvente, e consegue usar essa força para se deslocar.
de uma proteína corresponde a uma só estrutura tridimen-      O movimento das células resulta, assim, de uma complexa
sional funcional. É muitíssimo difícil prever com precisão a  dinâmica de proteínas motoras que trabalham em con-
forma tridimensional das proteínas a partir da sua sequên-    junto, associada às propriedades mecânicas da membrana
cia (as melhores previsões são feitas usando algoritmos       celular e à força de adesão à matriz. A física do movimento
de machine learning que comparam uma sequência dada           celular está na base da resposta imunitária do corpo hu-
com as sequências e estruturas de proteínas conhecidas).      mano, do desenvolvimento embrionário e também da in-
E por vezes, à medida que se enrolam para atingir o seu       vasão tumoral, entre muitos outros processos.
estado funcional, as proteínas podem passar por algumas
configurações que têm facilidade em se agregar com ou-          Para estudar a mecânica das células e o seu comporta-
tras proteínas. Se isso acontecer, poderão ser formados       mento em tecidos biológicos, a física desenvolve modelos
aglomerados de proteínas que são tóxicos para as célu-        teóricos e computacionais que simulam aspetos de siste-
las. Doenças como Alzheimer ou Parkinson são o efeito da      mas biológicos. Exemplos de técnicas de modelação são a
acumulação destes aglomerados em células do sistema           modelação por agentes, o modelo de vértices, e o modelo
nervoso central. Assim, a investigação da dinâmica das        de interface difusa.
proteínas e dos mecanismos de enrolamento e agregação,
para além de contribuir para um melhor conhecimento de          Na modelação por agentes, cada célula é normalmente
como as moléculas interagem entre si a nível microscópi-      descrita computacionalmente por um agente com regras
co, poderão vir a ajudar milhões de pessoas que sofrem de     para o seu movimento e para a sua interação com os agen-
patologias associadas com estes processos.                    tes vizinhos e com o seu meio envolvente [1]. Estes agen-
                                                              tes podem ter comportamentos bastante complexos, de
Figura 2: Representação de neurónios.                         tal forma que o seu movimento pode depender da evolução
                                                              das concentrações de proteínas específicas internas a
  Mas a agregação de várias proteínas não é sempre no-        cada agente. Por esta razão, a modelação por agentes é
civa para uma célula. Por exemplo, há agregados de pro-       uma técnica muito utilizada no desenvolvimento de mo-
teínas que têm a forma de fibras e que desempenham            delos multi-escala de sistemas biológicos. Na Fig. 2A está
um papel importante. Em particular, os microtúbulos e os      representado um modelo por agentes da fase inicial do
filamentos de actina são fibras que fazem parte do cito-      crescimento de um carcinoma mamário num ducto, onde
esqueleto da célula.                                          se pode estudar a evolução do tumor em função do estado
                                                              de cada uma das células do sistema.
  Os microtúbulos conferem rigidez e estrutura à célula.
Além disso, funcionam como vias de transporte de vesícu-        Se pretendermos tomar em conta as forças de tensão
las e organelos. Estas cargas agarram-se aos microtúbu-       presentes num tecido epitelial e a variabilidade de forma
los através de proteínas motoras que, dependendo do tipo      entre as células, o modelo de vértices será uma excelente
de proteína motora, as transportam radialmente ou para        opção. Neste modelo, pontos nas fronteiras entre as célu-
a periferia da célula ou para a vizinhança do núcleo. Este    las são considerados como vértices ligados a vértices vizi-
transporte é especialmente importante em células longas,      nhos através de molas. Na Fig. 2B está representado o
como os neurónios.                                            crescimento de uma colónia celular usando o modelo de
                                                              vértices a duas dimensões. Neste modelo, todas as forças
  Os filamentos de actina são responsáveis pela defor-        de adesão entre as células e de tensão das membranas
mação da célula e são essenciais à sua migração. Eles or-     são tomadas em conta, e cada célula pode ter uma taxa
                                                              de proliferação que depende das forças a que está sujeita.

                                                                O modelo de interface difusa (phase-field model) con-
                                                              segue descrever a tensão superficial de uma interface, a
                                                              energia de deformação de uma membrana e a rigidez de
                                                              um tecido. Usa um conjunto de equações de derivadas par-
                                                              ciais para prever como uma célula ou um tecido se defor-
                                                              ma em função das suas interações mecânicas com o meio
                                                              envolvente. O modelo de interface difusa é usado tanto no
                                                              estudo de sistemas biológicos como no estudo de vários
                                                              sistemas de física da matéria condensada, desde cristais

                                                              Notas:

                                                              [1] No entanto, por vezes dá jeito que cada célula seja descrita por um
                                                              conjunto de agentes.

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