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A Possibilidade de Vida em Titã
Existirão diferentes formas de vida nesta Lua de Saturno?
por Diogo Gonçalves
Aluno de Doutoramento em Química, Instituto Superior Técnico
A estrutura de Titã, a maior lua de Saturno, pode ser vasto leque de moléculas orgânicas que se acumulam na
simplificada a um núcleo de silicatos envolvido por superfície gelada, inclusivamente nos seus lagos. Isto torna
um oceano de água salgada, em cuja superfície Titã num dos locais do Sistema Solar onde coexistem os
encontramos uma camada de gelo com cem quilómetros três pilares da habitabilidade de um ambiente: solventes,
ou mais de espessura. Mas para lá de tal simplificação, elementos químicos, e fontes de energia, fazendo com
encontramos nesta lua condições que se acreditam que, das ciências planetárias, a Astrobiologia seja das que
serem semelhantes às presentes na Terra primitiva (i.e., maior interesse tenha nesta lua.
a Terra aquando da sua formação), com potencial para
a origem e manutenção de vida. Por isso, Titã é alvo de
ativa investigação pelas ciências planetárias, prometendo
ganhar ainda maior proeminência com o aproximar
do lançamento de uma missão da NASA, denominada
Dragonfly, dedicada à sua exclusiva exploração.
Titã e a Terra
A mais significativa analogia entre Titã e a Terra prende- Figura 2: Foto de Titã, Lua de Saturno, capturada por uma
se na atmosfera: esta lua é a única do nosso Sistema Solar câmera a bordo da aeronave Cassini.
com uma (significativa) atmosfera, também ela à base de
nitrogénio - compondo 94% da sua composição (vs. 78% Os Pilares para a Habitabilidade em Titã
da atmosfera terrestre). Ao passo que oxigénio completa
a atmosfera da Terra (21%), é metano, o hidrocarboneto Sendo a vida um fenómeno requerente de interações
mais simples, o segundo constituinte da atmosfera de Titã e reações químicas, uma trivial condição à habitabilidade
(cerca de 5%). será a existência de líquidos (i.e., solventes) que potenciem
interações moleculares e iónicas. Sem eles, dificilmente en-
Parte deste metano acumula-se também no estado líqui- contraremos um sistema químico com a riqueza metabóli-
do à superfície da lua, o que perfaz o seu segundo grande ca a que a biologia terrestre nos habituou, e que, portanto,
ponto de interesse: este corpo celeste é o único exemplar consideremos como vivo.
extraterrestre do Sistema Solar com líquidos à sua su-
perfície. Os lagos de Titã cobrem 1.5% da sua área super- A vida na Terra evoluiu moldada ao solvente mais comum
ficial, mantida a cerca de 94 K e 1.5 bar, condições que neste planeta: a água. Por isso, a pesquisa por vida extra-
permitem ao metano incorrer num ciclo em tudo análogo terrestre é muitas vezes concretizada na pesquisa por
ao hidrológico na Terra, dinamicamente chovendo e evapo- esta molécula. Ainda assim, a validade desta interdepen-
rando. dência permanece contestável. É certo que a água propor-
ciona vantagens à vida, mas também obriga a adaptações
Somada aos lagos que fluem na sua superfície, a foto- desnecessárias a sistemas vivos que ocorram noutros
química atmosférica transforma metano e nitrogénio num solventes. Nomeadamente, durante o normal metabolis-
mo celular, os polímeros biológicos são continuadamente
Figura 1: Ilustração da estrutura interna de Titã. degradados pela água (i.e., hidrolisados), uma ameaça em
que não incorrem as moléculas orgânicas que se acumu-
lam nos lagos de metano em Titã.
Certamente que a biologia como a conhecemos requere
água líquida, mas não será possível que outras formas
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