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A POSSIBILIDADE DE VIDA EM TITÃ VIDA
sistema vivo. Apesar disso, temos evidência de apenas dois tica cor laranja da atmosfera desta lua mas também pelas
serem, na prática, capazes de tal: radiação eletromagné- dunas da sua superfície “macia” (“fluffy” em inglês). Numa
tica e gradientes redução-oxidação (redox). Estes são os forte analogia com fenómenos terrestres, os aerossóis
gradientes termodinâmicos utilizados pela vida na Terra, orgânicos depositados na superficial camada de gelo mi-
cujas transduções em energia química denominamos por grarão através de processos eólicos, provocando até as já
foto e quimioautotrofia. evidenciadas tempestades de areia orgânica.
De todos os fatores para a habitabilidade, este oferece É por esta atmosfera, e navegando estes fenómenos eóli-
o maior poder de modelação: é relativamente acessível cos, que o drone da futura missão Dragonfly voará nesta
comparar as necessidades energéticas de um organismo lua. A missão da NASA, programada para descolar da Ter-
- biológico, ou biologicamente inspirado - à disponibilidade e- -ra em 2027 e chegar à órbita de Titã sete anos mais tar-
nergética de um ambiente. Por exemplo, a probabilidade de de, segue o caminho traçado pela missão Cassini-Huygens
vida quimioautotrófica num (1997-2017), que se dedi-
corpo celeste pode ser cou ao estudo do sistema
avaliada pela sua atividade de Saturno e da qual, em
geológica. Se uma lua, ou 2005, foi lançada a sonda
planeta, estiver geologica- Huygens para a superfície
mente morto, dificilmente de Titã, a única aterragem
podemos argumentar pela alguma vez feita no Sistema
manutenção de desequilí- Solar exterior. Os dados ob-
brios redox capazes de sus- tidos pela Cassini-Huygens,
ter organismos quimioau- em particular durante os
totróficos a longo prazo. A 90 minutos de transmis-
sobrevivência deste estilo -são da sonda após a ater-
de vida fica, assim, compro- -ragem, impulsionaram uma
metida neste ambiente. É Figura 5: Ilustração da Nasa de um protótipo da Dragonfly. geração de investigação.
complicado imaginar um Esta culminou na conceção
cenário onde um dado gradiente redox possa ser continua- tecnológica e científica da Dragonfly, dedicada a restringir
mente mantido à superfície de Titã; mas a evidência é vas- a possibilidade (presente e passada) de química pré-biótica
ta para que a sua atmosfera seja justamente comparada em Titã.
a um reator fotoquímico. As várias formas de energia radi- Os resultados adquiridos pela Dragonfly contribuirão
ante que atingem a ionosfera de Titã começam por ionizar para a resposta a algumas das mais importantes, e ainda
e dissociar o nitrogénio e o metano que se encontram na assim menos resolvidas, perguntas da ciência: é a biologia
atmosfera. o único exemplar de vida no Sistema Solar? O que é, exata-
A reatividade assim adquirida leva à criação de molécu- mente, a vida? É por estas questões que a exploração de
las orgânicas de progressivo peso molecular, formando exóticas condições extraterrestres é tão importante. São
macromoléculas que tenderão a adsorver-se entre si em estas questões que motivam, hoje e nas próximas déca-
aerossóis orgânicos, responsáveis não só pela caracterís- das, o estudo de Titã.
Figura 6: Ilustração da aterragem da Dra- PULSAR 9
gonfly. A sonda irá recolher e analisar a com-
posição dos materiais orgânicas da superfície,
permitindo caracterizar a sua habitabilidade e
desvendar a progressão da química prebiótica.